22 mar 2025, sáb

Maria de Médicis:Temos dificuldade em ver velho transando – 21/03/2025 – Mônica Bergamo

Nas últimas semanas, quando alguém pergunta para a diretora Maria de Médicis o que ela anda fazendo da vida, a resposta está na ponta da língua. “Sucesso”, diz, em tom de brincadeira e sem traços de prepotência.

Apontada como uma das principais responsáveis pelo fenômeno “Beleza Fatal”, novela da Max cujo último capítulo será exibido na noite desta sexta (21), Maria recebeu a coluna em seu amplo apartamento de frente para a praia do Leme, no Rio de Janeiro, na Quarta-feira de Cinzas.

Ao falar sobre sucesso, ela não se referia apenas à trama estrelada por Camila Pitanga, Camila Queiroz e Giovanna Antonelli que tem arrebatado os fãs de novela pelo país. Mas da reprise de “Tieta” (1989) nas tardes da Globo, produção em que ela interpretava uma das “rolinhas” do coronel Tapitanga (Ary Fontoura). “Foi minha única aparição na TV como atriz, para o bem da humanidade. Porque eu era ruim demais, demais”, relembra, às gargalhadas.

Filha de diplomata, Maria chegou a pensar em seguir os passos do pai, mas foi demovida da ideia por ele mesmo, que a sugeriu fazer algo relacionado a teatro, já que ela gostava tanto do assunto. Foi estudar na tradicional CAL, Casa de Artes de Laranjeiras, no Rio.

Logo enveredou para o trabalho atrás das câmeras. Entrou na Globo nos anos 1990, primeiro como assistente de produção e depois produtora de elenco. Em 1998, virou assistente de direção de Denise Saraceni em “Torre de Babel”, e depois diretora de tramas como “Estrela-Guia” (2001), “Babilônia” (2015) e “Rock Story” (2016). Deixou a emissora em 2022, após 29 anos.

“Beleza Fatal” é a sua primeira novela no streaming. Maria não cai na pilha dos que andam dizendo que a produção pode ser a responsável pela recuperação do gênero. “Não sei se é isso, mas ela está nos lembrando de que que o gênero é bom. E não só ela. Tem ‘Garota do Momento’ [novela das seis da Globo] também. Eu até brinco com a Natália [Gimberg, diretora da trama], que é muito minha amiga, que somos ‘as garotas do momento’, fazendo as novelas do momento'”, ri.

Para ela, a novela não vai morrer, ao contrário do que dizem algumas previsões catastróficas. “Há momentos melhores e piores. E acontece. As pessoas fazem filmes ruins, fazem séries ruins, fazem novelas ruins.”

O que é maravilhoso, nas palavras dela, é a existência de uma indústria consolidada do gênero, principalmente na Globo. “Se uma novela não der certo, ela [a emissora] vai lá e faz outra. E vão ter sempre três novelas na grade. Você está sempre produzindo três conteúdos nacionais, sem medo.”

“E você vê que algumas pessoas que não assistem mais novela na TV aberta, assistem novela turca, assistem dorama. As pessoas não estão deixando de assistir novela. Elas gostam, a gente foi criado assim. E não tem jeito, a gente [o Brasil] faz melhor que todo mundo.”

Para Maria, uma possível explicação para o afastamento do público do gênero pode ser fruto de uma tentativa das produções mais recentes de se aproximarem mais da linguagem das séries e do cinema. “Adoro as novelas contemporâneas, mas é legal não esquecer a nossa origem do melodrama, do clichê, da vilã que fala absurdo.”

“Acho que essa é a grande diferença de ‘Beleza Fatal’. A gente não tem vergonha do melodrama, do folhetim, do abusado, do brincar com o gênero.” A diretora diz que, ao se assumir como novela, a trama faz um combinado com o público, que passa a aceitar os clichês e “a suspensão da realidade” em alguns momentos. “Muitas vezes, vejo nas redes sociais as pessoas comentando que estavam com saudade de olhar a novela e falar: ‘Ah, não, não acredito que ela [a personagem] vai fazer isso. E ela faz’. É meio comfort food [expressão que representa uma comida que proporciona uma sensação de bem-estar].”

Maria entrou no projeto já com ele iniciado e com o roteiro pronto. E diz que a parceria com o autor Raphael Montes foi “muito boa” e essencial desde o início para estabelecer como seria a trama.

Assim que pegou o texto em mãos, ela conta que já percebeu que não poderia seguir num tom naturalista, na linha das histórias de Gilberto Braga e Manoel Carlos. “‘Beleza Fatal’ tem uma tinta a mais. Tanto que a gente brincava e falava que é a nossa novela ‘botocada'”, afirma, em referência ao tema das intervenções estéticas, pano de fundo da história.

“Você não pode fazer a Lola normal. Ela é escrita pra ser mais exagerada”, completa, citando a vilã vivida por Camila Pitanga e que já entrou para o rol das mais queridas da teledramaturgia brasileira com seus muitos bordões.

Outro ponto que ajuda a explicar o sucesso e a conquistar o público mais jovem é a agilidade da história, diz ela. Essa característica, afirma, vem pelo fato de a trama ser mais curta. Diferentemente de uma produção na TV aberta que tem mais de cem capítulos, “Beleza Fatal” tem 40.

“Quando a gente faz uma novela tem aquele momento que eu chamo de velocidade cruzeiro, que é a barriga [quando não acontece nada de relevante]. E eu falo que a nossa novela foi na clínica do dr. Peitão e fez uma lipo. Não tem barriga”, diverte-se —interpretado por Marcelo Serrado, o doutor Peitão é no enredo um cirurgião plástico sem muita ética ou escrúpulos.

Mais do que isso, porém, ela diz acreditar que o essencial é que a novela consiga tocar o público. “A gente tem que ser muito generoso com a história e com os atores, e ficar menos apaixonado pela gente, achando que a gente é um grande diretor, que vai fazer planos maravilhosos, planos incríveis.”

“Se consigo pegar o espectador pela emoção, te faço acreditar em quase tudo”, resume. “Beleza Fatal” é também uma novela mais ousada na comparação com outras tramas do gênero, embora Maria aponte que a Globo sempre procurou “pisar um pouco à frente”, apresentando os primeiros casais gays, o processo de transição de uma mulher transexual e outros tabus.

As iniciativas nem sempre deram certo. O beijo entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathália Timberg no primeiro capítulo de “Babilônia” (2015) foi rejeitado pela audiência. Maria opina que, mais do que homofobia, foi o etarismo que causou o estranhamento do público com a cena. “Eu acho que se é a Camila [Pitanga] beijando a Sophie Charlotte [as duas atrizes estavam na novela], ia chocar menos.”

“Lembro que na época alguém falou, ‘mas ela é a avó do Brasil e ela tá beijando uma pessoa’. Acho que a gente tem muita dificuldade de ver a pessoa mais velha namorando, beijando na boca, transando. Acho que a gente tem esse subconsciente de que o belo é jovem”, diz ela, que atuou como diretora de “Babilônia” ao lado de Dennis Carvalho.

Na novela da Max, há cenas de sexo aos montes, muitos personagens bissexuais e —atenção ao spoiler: um senhor, pai de família, que se assume gay aos 70 anos. O ator que o interpreta é um nome conhecido das novelas da Globo, Herson Capri.

Para a diretora, ao propor a discussão sobre essa obsessão pela estética, “Beleza Fatal” reflete sobre o preconceito com as pessoas mais velhas. “Essa busca pela beleza é sobre achar que ser mais jovem é mais legal”, diz. “Claro, ser jovem é bom pra caralho. Mas ser mais velha é tão mais legal.”

Maria, que tem 55 anos, afirma que não se trata apenas da aparência, mas da negação de espaços de trabalho para os mais velhos. “A gente não tem o respeito pelos mais velhos que a gente deveria ter. A gente deveria pegar o Dennis Carvalho [ex-diretor da Globo] e botar num conselho de gestão da TV Globo pra ler sinopse”.

“Em todos os lugares do mundo você tem conselhos de pessoas mais velhas, porque elas têm a experiência”, acrescenta.

Desde o dia 10 de março, “Beleza Fatal” começou a ser exibida na Band, mais de um mês depois de sua estreia na Max. O Ibope não tem sido até agora o esperado. Na primeira semana, a novela cravou média de 1,52 ponto na Grande São Paulo, índice inferior ao de outras atrações da emissora —cada ponto representa 72.279 domicílios.

Maria, que falou com a coluna antes de os primeiros números de audiência serem divulgados, disse que estava feliz com a chegada da novela à TV aberta. “A gente está num país em que muitas pessoas não têm dinheiro para assinar streaming, banda larga. Acho que [com a chegada dela na Band], a gente democratiza a nossa ‘Beleza Fatal’ para todo mundo ver’.” Já a Max não divulga dados de audiência. Afirma apenas que a produção se tornou o conteúdo mais assistido entre séries e filmes na plataforma no Brasil durante sua primeira semana de exibição.

Para a diretora, produções para o streaming e para a TV aberta vão coexistir e se reatroaliemtnar. “Acho que é muito bom para a Globo, para a Record, para a Band, que ‘Beleza Fatal’ tenha dado certo, porque acho que a gente sempre se revê, faz um balanço, paramos para avaliar o que dá certo, as coisas que foram legais.”

Diz estar, inclusive, “ansiosíssima” pelo remake de “Vale Tudo”—na sua opinião, “a melhor novela do mundo”. Questionada sobre os seus projetos futuros, a diretora afirma que está avaliando algumas propostas de séries e pilhando Raphael Montes para um novo projeto juntos. “Ele tem uma sinopse, mas é uma coisa mais para 2026, 2027.”

Já sobre uma possível continuação de “Beleza Fatal”, ela decepciona os fãs mais afoitos. “Não vai ter segunda temporada. Possibilidade sempre existe, mas em teoria não. Até porque é o Raphael Montes, ele mata [personagem] sem dó.”

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