16 mar 2025, dom

Morte de Lúcio Flávio, que delatou policiais, faz 50 anos – 29/01/2025 – Cotidiano

Há 50 anos, Lúcio Flávio Vilar Lírio, 31, era morto em uma prisão do Rio de Janeiro, com 28 golpes de faca. A versão oficial afirmou que ele foi atacado enquanto dormia. Já o suspeito, Mário Pedro da Costa, o Marujo, disse ter agido em legítima defesa, após uma briga durante um jogo de cartas.

Segundo jornais da época, Lúcio Flávio tinha 74 acusações formais e cerca de 400 processos relacionados a roubos de carros. Para além de suas dezenas de fugas, que incluíam serrar grades, furar o fundo de um camburão, cavar túneis com colheres e até escapar disfarçado de padre, ele ficou conhecido por expor o Esquadrão da Morte e a Scuderie Le Cocq, grupos de extermínio ligados à polícia, de forma pública.

Suas críticas abertas à polícia o tornaram uma figura controversa e o cinema o retratou de forma distinta na época. No filme “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” (1977), de Hector Babenco, o criminoso é apresentado como um anti-herói trágico. O filme denuncia a atuação do Esquadrão da Morte como parte do aparato repressivo do regime militar.

Já em “Eu Matei Lúcio Flávio” (1979), de Antônio Calmon, há uma perspectiva oposta, com foco no policial Mariel Mariscot, retratado como um justiceiro para enfrentar o crime. Lúcio Flávio aparece como um criminoso sem escrúpulos, enquanto a violência policial seria justificável.

Mariscot (1940-1981) fazia parte do grupo de policiais chamados de “12 Homens de Ouro” da polícia do Rio de Janeiro, um título dado a agentes que estão na raiz da milícia local.

Segundo Bruno Paes Manso, no livro “A República das Milícias: Do Esquadrão da morte à Era Bolsonaro” (2020), os 12 homens de ouro eram agentes da Polícia Civil que originaram a atual Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), agentes treinados para operações especiais. Mariscot também era conhecido por ser midiático e passear em Copacabana com atrizes famosas. Acabou preso e expulso da polícia após as denúncias do criminoso.

Em entrevistas, Lúcio Flávio afirmou que entrou para o crime após o declínio financeiro da sua família na década de 1960. Seu pai era funcionário público em Minas Gerais e cabo eleitoral do general Teixeira na eleição presidencial de 1960 e entrou em declínio após a derrota do militar para Jânio Quadros.

As entrevistas o fizeram ser chamado para depor sobre a corrupção policial. Em um dos depoimentos, ele afirmou que teria dito a um policial corrupto que o chamou para cometer um crime: “Você é polícia, eu sou bandido. É como azeite e álcool, não se misturam. Agora, depois desse convite, não sei exatamente qual a sua posição: polícia ou bandido?”. A frase é uma das mais famosas do criminoso.

Em sua dissertação de mestrado pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) sobre o retrato no cinema do criminoso, Bernardo Brum pesquisou trechos de reportagens. A Luta Democrática, nas edições de 3 e 4 de fevereiro de 1974, traz o título: “Entrevistas atrevidas irritam polícia mineira”.

“A matéria explicava que o termo “mineiro” era uma gíria para descrever policiais que identificavam criminosos ricos ou procurados para extorquir dinheiro deles, independentemente do tipo de crime cometido. Quanto mais rico o criminoso, maior o lucro potencial para o policial”, diz trecho da dissertação.

Suas denúncias, contudo, ajudaram a banir os policiais corruptos das forças de segurança, incluindo Mariscot.

A Scuderie Le Coque, no entanto, continuou com sede oficial no Rio até meados dos anos 2000. Entre suas fileiras, um nome famoso atualmente: Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco.

Lessa tinha 19 anos quando entrou para a organização, em 1989. Ele integrou a associação depois de prestar o serviço obrigatório no Exército. Em novembro de 1991, o agente ingressou na Polícia Militar, quando de maio de 1993 a janeiro de 1997, atuou no Bope (Batalhão de Operações Especiais).

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