15 mar 2025, sáb

Neruda usa ‘Bestiário’ para abordar próprias experiências – 28/02/2025 – Ilustrada

Bestiários são reuniões de descrições e representações de animais reais ou imaginários que costumam refletir as dificuldades do embate entre o homem e a realidade ao seu redor.

O gênero surgido na Idade Média continuou a ser utilizado na literatura moderna como um recurso narrativo e poético, como exemplificado por Jorge Luis Borges em “O Livro dos Seres Imaginários” e por Julio Cortázar em seu “Bestiário” homônimo.

O poeta chileno Pablo Neruda também é autor de um “Bestiário” próprio, que acaba de ganhar uma edição ilustrada da L&PM no Brasil.

Embora o livro tenha sido publicado apenas após a sua morte, em 1973, seu projeto remonta a um período anterior. Em uma correspondência de 1964, o autor já manifestava o desejo de reunir uma série de poemas dispersos sobre animais, formando um conjunto coeso que celebrasse a fauna da América.

De fato, sob o poeta chileno, o gênero adquire uma dimensão profundamente pessoal e sensorial, funcionando como um espelho de sua própria experiência e visão de mundo.

Nele, Neruda não só expressa a sua visão sobre seu Chile natal, como também dialoga com a ideia de animais fabulosos mencionados por aqueles que habitavam o Novo Mundo antes da chegada dos conquistadores —que, por sua vez, traziam eles mesmos uma imaginação particular sobre esses temas.

Homem do campo, o poeta se refugiava na natureza para escapar de suas frustrações e derrotas. Sua obra não pode ser compreendida sem que se saiba disso, e ele dedicou versos a uma imensa diversidade de criaturas. com destaque especial para as aves, que inspiraram um livro inteiro, “Arte de Pássaros”.

Neruda via nesses animais um reflexo da própria América, perseguida e vilipendiada. Sua resposta a esse processo de destruição foi usar sua imaginação para registrá-lo.

Além das aves, os animais marinhos e terrestres povoam sua poesia. Eles representam não apenas a biodiversidade sul-americana, mas também uma reflexão mais ampla sobre a condição animal.

Em seus versos, Neruda atribui aos animais qualidades humanas ao mesmo tempo em que questiona os limites da dicotomia entre homem e natureza. Ele celebra a vitalidade das criaturas não humanas e reconhece sua dignidade de maneira poética.

Embora não desenvolva uma reflexão sistemática, sua poesia sugere uma percepção ampliada do que significa ser um bicho, aproximando essa experiência da condição humana. Seus versos reconhecem a sacralidade da existência animal e a relação desses seres com o mundo, descrevendo como comem, sentem medo, prazer e dor –estabelecendo, assim, um elo sensível entre humanos e não humanos.

As ilustrações de Luis Scafati para a edição da L&PM reforçam essa dimensão simbólica e interpretativa da obra.

As ilustrações apresentam corpos que evocam tanto a forma naturalista dos animais quanto uma marca cultural humana, sugerindo uma intersecção entre natureza e cultura. Esse diálogo entre palavra e imagem amplia a riqueza da leitura, oferecendo ao público uma experiência visual e poética que ressignifica a relação entre humanos e animais na sua obra.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *