Dois anos após as explosões das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, um grupo de cientistas reunido por Albert Einstein inventou o Relógio do Juízo Final. Surgia uma metáfora eloquente que alerta para os riscos à paz mundial.
Acertados no começo de cada ano com base no desenrolar de eventos nos 12 meses anteriores, os ponteiros agora indicam que faltam 89 segundos para a meia-noite, a hora que representa o desastre derradeiro. É o mais curto período de tempo da série histórica, iniciada em 1947.
Até então, o registro mais tenso havia sido o de 2023, quando chegou-se a 90 segundos, que foram mantidos em 2024. O principal motivo foi a guerra na Ucrânia, que eclodiu com a invasão russa em fevereiro de 2022.
De fato, cabia e ainda cabe ansiedade com tal conflito, em realidade o enfrentamento entre duas potências nucleares. De um lado, a Rússia chefiada pelo autocrata Vladimir Putin. De outro, os Estados Unidos cobertos pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
A mudança climática também contribuiu para adiantar o relógio. O ano de 2023 fora o mais quente já registrado desde o período pré-industrial, a confirmar as piores previsões para o impacto das emissões de carbono que causam o aquecimento global.
Eis que 2024 não ficou aquém, tomando o título escaldante do ano anterior. O combate prosseguiu em solos uraniano e russo, em meio a ameaças atômicas de Putin; a carnificina se agravou em Gaza (não houve tempo para o relógio contemplar o cessar-fogo); e tudo se complicou com a eleição do ferrabrás Donald Trump.
A mudança de apenas um ponto no marcador, de 90 para 89 segundos, parece pouco, mas cabe atentar para comparações históricas. Nem mesmo durante a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o comitê de 18 especialistas aquilatou tamanho perigo, pondo o visor em 12 minutos para o Juízo Final.
Não é para menos, com o risco de desequilíbrio institucional doméstico e global criado pelo retorno de Trump à Casa Branca. Protecionista, populista, xenófobo e belicoso, ao menos na retórica o republicano promete contrastar o poder econômico e as pretensões geopolíticas da China.
O potentado asiático tem o terceiro maior arsenal atômico do mundo e o que mais rapidamente se avoluma. Apenas um décimo, verdade, do que contam EUA e Rússia. Se a rivalidade tripartite escalar, o mundo não ouvirá somente as badaladas do relógio quando der meia-noite.