O feminismo errou ao excluir os homens do debate que vem sendo promovido na última década. É compreensível que haja raiva e ressentimento por séculos de opressão e desigualdade, mas não se faz revolução sozinho. Não se muda uma realidade de machismo e misoginia apenas com a conscientização feminina de que sofremos violências, se a sociedade não assume a tarefa de também sensibilizar e educar as novas gerações do sexo masculino. É também sobre isso a série “Adolescência”, um fenômeno de audiência da Netflix, que vem causando um alvoroço.
A agressividade posta na história da acusação de assassinato cometida por um menino de 13 anos não é apenas uma questão de choque de gerações, de negligência ou de falta de carinho dos pais e das instituições de educação. O diagnóstico é muito mais complexo. Enquanto meninas vivem o despertar sobre seus direitos, do outro lado o eco é de vingança, porque o discurso muitas vezes é de vingança. Os homens não prestam. Nem todo homem, mas sempre um homem. Todo homem é um estuprador em potencial.
Essas falas não impactam apenas o adulto maduro que tem, ou deveria ter, a capacidade de ler a mensagem subliminar, mas todos aqueles que ainda estão em formação e chegam a um mundo sentindo-se rejeitados e excluídos, onde já foram julgados e condenados a conviver com o carimbo de machistas e misóginos pelo resto de seus dias.
Amigas feministas têm tido dificuldade em conciliar o discurso do movimento, muitas vezes agressivo, com a realidade de filhos amorosos e conscientes, que têm dentro de casa uma representação real do que significa igualdade de direitos, mas encontram na rua apenas hostilidade e a retórica vigente de que são machos tóxicos.
Na ponta oposta do feminismo, o surgimento da onda nefasta das “esposas tradicionais”, que reafirmam papéis de gênero envelhecidos, com o agravante de que o homem ideal é rico, protetor, provedor, bonito e popular. Um papel no qual a maioria dos jovens adolescentes não se encaixa. Uma retórica que ajuda a disseminar nas redes que as mulheres são interesseiras, gananciosas, golpistas e, consequentemente, culpadas por suas frustrações emocionais, amorosas e sociais.
É o que impulsiona o surgimento de grupos misóginos como os Incels (celibatários involuntários), os MGTOW (Homens Seguindo Seu Próprio Caminho), os Red Pill (pregam o “despertar” do homem para a manipulação feminina), os Black Pill (versão mais radical dos red pill) e os Pick Up Artists (comunidade que ensina técnicas de sedução baseadas em manipulação e desprezo).
O que a série “Adolescência” mostra é que se engana quem acredita que apenas jovens radicalizados, socialmente isolados, criados em lares disfuncionais são impactados pela nova ordem ditada pelo feminismo e também por esse comportamento retrógrado, estimulado pelo conservadorismo que reforça a responsabilidade masculina como alicerce social. Também não basta maior vigilância sobre o consumo digital. Nem se todos os adolescentes passarem a andar com GPS e tiverem seus caminhos na internet rastreados 24 horas por dia será possível mudar a realidade de que o abismo entre homens e mulheres está cada vez maior.
É preciso entender que este sistema desvaloriza a sensibilidade e a vulnerabilidade masculina e hipervaloriza a agressividade e o sucesso acima de tudo e de todos.
Há poucas semanas, escrevi neste espaço que “É Preciso Educar o Homem”, sem saber que a Netflix estava prestes a lançar este petardo, mas apoiada na observação de que não há políticas públicas ou privadas para inserir o sexo masculino no tal letramento feminista desde o ensino básico. Homens mais jovens ainda são moldados pelos parâmetros vigentes de uma sociedade extremamente machista e com o agravante de que agora são tratados como inadequados, sem o direcionamento necessário para que entendam as demandas do feminismo, não como um mecanismo de vingança, mas de libertação.
Sobretudo, é preciso libertar o feminismo do próprio umbigo — dos podcasts, dos textões que não saem das bolhas, das convenções com 300 mulheres, como citou Tati Bernardi, das frases de efeito, dos estereótipos ridículos —; de sua enorme fragilidade, que é transformar homens, aliados necessários, em inimigos. Não vai funcionar. Como sociedade, não podemos abandonar meninos, como Jamie, de “Adolescência”, à deriva num mundo em transformação.
A cena final da série não é apenas de cortar o coração, mas uma enorme provocação. A educação com foco na transformação de estruturas psicológicas e sociais não pode ser responsabilidade apenas dos pais, mas das escolas, das instituições e de todas nós, feministas. Temos que encarar que excluir o homem neste processo tem sido um erro.