Quando Stephen Hawking morreu em 14 de março de 2018, ele era o cientista vivo mais famoso do mundo.
Durante seus 76 anos de vida, o físico britânico escreveu dezenas de artigos científicos e livros de ciência popular, participou de documentários, séries e teve até mesmo sua trajetória retratada em um filme.
O diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neuromotora, aos 21 anos, o obrigou a viver em uma cadeira de rodas e a usar um sofisticado sistema de comunicação. Mas isso não foi obstáculo para sua carreira científica, tampouco para seu estrelato.
Mas, de todas as suas conquistas, ele queria ser lembrado por uma teoria em particular, cuja fórmula está gravada em sua lápide na Abadia de Westminster, em Londres, a poucos passos dos túmulos de Isaac Newton e Charles Darwin.
Trata-se da chamada radiação Hawking.
Sete anos após sua morte, esta teoria é tão importante para compreender o Universo em geral, e os buracos negros em particular, que instituições de prestígio como a Nasa, a agência espacial americana, e a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês) estão trabalhando para detectá-la.
A ‘grande surpresa’ de Hawking
“Aqui jaz o que era mortal de Stephen Hawking (1942-2018)”, está escrito na lápide de pedra com tom de ardósia —um cinza escuro que não chega a ser preto—, combinando com sua teoria. No centro, está gravada uma espécie de espiral que circunda uma elipse e os dez caracteres da equação.
A equação “expressa sua ideia de que os buracos negros no Universo não são completamente negros, mas emitem um brilho conhecido como radiação Hawking”, explica a Abadia de Westminster, que tem um cartão-postal da lápide à venda em sua loja oficial.
Mas muito antes de ganhar status de souvenir, a ideia de que buracos negros não são realmente tão negros provocou repúdio, inclusive, no próprio Hawking.
Em 2016, o físico deu duas palestras para a BBC como parte do programa anual Reith Lectures. Lá, o físico contou que, no início de 1974, ele estava “investigando como seria o comportamento da matéria nas proximidades de um buraco negro”.
“Para minha grande surpresa”, ele acrescentou, “descobri que o buraco negro parecia emitir partículas a uma taxa constante. Como todo mundo na época, eu aceitava a máxima de que um buraco negro não poderia emitir nada. Por isso, me esforcei ao máximo para tentar me livrar deste efeito constrangedor”.
“Mas, quanto mais eu pensava nele, mais ele se recusava a ir embora, então, no final, eu tive que aceitá-lo.”
A pergunta por trás da teoria
Para entender a radiação Hawking, é necessário primeiro compreender dois conceitos, diz Gerardo Herrera Corral, pesquisador do Departamento de Física do Centro de Pesquisa e Estudos Avançados (Cinvestav) no México e pesquisador associado do Cern, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
O primeiro é um fenômeno chamado produção de pares, que acontece quando “um fóton, que é uma partícula de luz, produz subitamente um par de partícula e antipartícula”, explica o físico mexicano.
“Então, quase imediatamente, esta partícula e antipartícula se atraem novamente e se aniquilam, ou seja, voltam a se encontrar, para produzir novamente o fóton que gerou o par.”
Em outras palavras, é uma flutuação: há um fóton que produz um par, que se “aniquila” e se torna um fóton novamente.
O segundo conceito tem a ver com uma das características mais fascinantes dos buracos negros: o chamado horizonte de eventos.
“É um limite, uma fronteira, que separa o objeto do resto do Universo”, diz Herrera Corral.
“O horizonte de eventos é o ponto sem retorno: quando algo cruza esse limite, não retorna mais ao Universo visível, ao Universo como o conhecemos. Nem sequer a luz pode escapar de um buraco negro”, ele acrescenta.
Hawking então se perguntou: o que aconteceria se a produção de pares acontecesse no horizonte de eventos?
“Na presença de um buraco negro, um membro de um par de partículas pode cair no buraco, deixando o outro membro sem um parceiro para se aniquilar”, explicou Hawking durante a palestra mencionada anteriormente.
“A partícula ou antipartícula abandonada pode cair no buraco negro depois da sua parceira, mas também pode escapar para o infinito, onde parece ser radiação emitida pelo buraco negro”, completou.
Essa radiação que escapa é justamente a que leva seu nome. É a equação gravada na lápide.
O fim dos buracos negros
Uma das consequências da radiação Hawking é que ela prevê o fim dos buracos negros. E para entender isso, é preciso voltar à produção em pares.
“Na vida cotidiana, esse fenômeno acontece quando um fóton passa perto de um átomo, porque o campo eletromagnético gerado pelo átomo fornece a ele a energia necessária para a produção de pares que depois se aniquilam”, afirma Herrera Corral.
Agora, quando a produção de pares acontece na borda do buraco negro, esse fenômeno “extrai um pouco de energia do horizonte de eventos”.
No entanto, “como isso acontece muitos bilhões de vezes, a produção contínua de pares no horizonte de eventos está retirando energia do buraco negro”.
“Então, como consequência, após bilhões de anos, o buraco negro vai se evaporar: ele terá cedido toda a sua energia ao fenômeno da produção de pares, e desaparecerá.”
Para se ter uma ideia das escalas de tempo, de acordo com a Nasa, um buraco negro estelar —ou seja, do menor tamanho comprovado até o momento— levaria dezenas de vezes a idade atual do Universo para evaporar.
Mas isso não significa que tenhamos que esperar todo esse tempo para provar experimentalmente a radiação Hawking.
A chance do Nobel
Um dos maiores esforços experimentais para detectar a radiação Hawking está sendo conduzido pela Nasa.
“Em junho de 2008, a Nasa lançou o telescópio Fermi no espaço, cujo objetivo é mapear as fontes de raios gama, as fontes de luz no Universo”, diz Herrera Corral.
“Hawking disse que poderia haver buracos negros primordiais que se evaporariam e, ao fazer isso, emitiriam a radiação que esperamos ver com a sonda espacial Fermi”, explica.
Além disso, acrescenta o físico mexicano, o Grande Colisor de Hádrons do Cern “tem procurado a radiação que poderia ser emitida por miniburacos negros que são gerados nas colisões e que, ao evaporar, se desintegram em um monte de partículas que podem ser vistas nos detectores”.
Apesar destas e de outras tentativas, mais de 50 anos se passaram desde que Hawking descreveu sua radiação —e ela ainda não foi observada.
Como ele disse na palestra, arrancando risos da plateia: “É uma pena, porque se eles tivessem conseguido, eu teria ganhado o Prêmio Nobel”.