A premiação de “Ainda Estou Aqui” com o Oscar de melhor filme internacional marca uma data histórica para o cinema brasileiro.
É fato que, ao longo de sua trajetória, a produção cinematográfica do país obteve reconhecimento e láureas em festivais importantes, como a Palma de Ouro em Cannes, em 1962, por “O Pagador de Promessas”.
O mesmo festival veio a consagrar Glauber Rocha, em 1969, pela direção de “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”; e, anos depois, em 1986, uma jovem atriz, chamada Fernanda Torres, então com 19 anos, venceu pelo seu papel em “Eu Sei que Vou Te Amar”, de Arnaldo Jabor.
Indicações e galardões foram reconhecidos na própria disputa do Oscar, que consagrou “Orfeu Negro”, em 1960, como melhor filme internacional. Baseado em musical de Vinicius de Moraes e Tom Jobim e filmado no Rio com atores brasileiros, acabou considerada obra francesa, sob direção de Marcel Camus.
É inegável, entretanto, que o troféu concedido a “Ainda Estou Aqui” pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood revestiu-se de significados especiais. Trata-se de uma produção integralmente nacional, inspirada no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, que oferece uma trama ambientada em período relevante da história social e política do país.
Com engenho e arte, o longa dirigido por Walter Salles consegue apresentar de modo arrebatador a comovente história de Eunice Paiva e de sua família em busca de um desenlace para o dramático desaparecimento do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura militar em circunstâncias jamais esclarecidas oficialmente.
Bem recebido no Festival de Veneza, onde estreou e ganhou o prêmio de melhor roteiro, o filme logo cativou as plateias brasileiras e passou a merecer atenção internacional. Num ambiente extremamente competitivo, no qual o cinema brasileiro ocupa lugar periférico, as virtudes de “Ainda Estou Aqui”, entre as quais a notável atuação de Fernanda Torres, se impuseram.
A vitória da atriz no Globo de Ouro e as indicações ao Oscar em três categorias —melhor filme, melhor filme internacional e melhor performance feminina— somaram-se ao expressivo e bem-vindo reencontro do Brasil com seu cinema.
Em que pesem desprezíveis rixas da parte de saudosistas do autoritarismo, o exemplo e a resiliência de Eunice Paiva ganham projeção num momento em que as ameaças à democracia cruzam fronteiras e fazem do mundo um lugar menos seguro para se viver.
Ao reavivar a memória da opressão, do desrespeito aos direitos, da violência do Estado e do desprezo pela vida, traços que infelizmente ainda estão aqui, o filme nos deixa um legado essencial e valioso. Nada mais justo e significativo que o triunfo tenha sido comemorado com paixão e alegria neste já histórico Carnaval.
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