18 mar 2025, ter

Osiris-Rex e o mistério da vida canhota – 02/02/2025 – Mensageiro Sideral

Pesquisadores da Nasa apresentaram os resultados das primeiras análises detalhadas feitas de amostras trazidas em 2023 pela sonda Osiris-Rex do asteroide Bennu, e elas indicam que, como já se suspeitava, a matéria-prima para a vida esteve disponível não só para a Terra, mas por todo o Sistema Solar, desde sua formação.

Os dados de composição mineral e molecular foram apresentados em dois artigos publicados nos periódicos britânicos Nature e Nature Astronomy e revelam que, numa pequena parte do total de rochas e poeira trazidos do asteroide, havia a presença de 14 dos 20 aminoácidos que, na Terra, formam as proteínas de toda a vida terrestre, além de todas as cinco bases nitrogenadas usadas para codificar as informações genéticas nas moléculas de RNA e DNA.

Isso não é surpreendente, dado que aminoácidos e bases nitrogenadas já foram detectadas antes em meteoritos (que nada mais são que pedaços de asteroides que caíram na Terra), mas é relevante fazer a mesma observação em amostras colhidas diretamente no espaço e, portanto, livres de contaminação de material terrestre.

A análise química também revelou a grande presença de amônia, substância precursora dessas biomoléculas, assim como minerais que indicam que as rochas do asteroide Bennu, num passado muito remoto, foram expostas à água. Agora, importante dizer: nada disso indica que tenha havido vida por lá. São apenas os ingredientes, mas a realização da receita parece não ter se manifestado.

O aspecto mais interessante do achado, contudo, parece estar numa propriedade que os químicos chamam de quiralidade. Moléculas complexas, como os aminoácidos, têm uma organização dos átomos que pode ter uma forma espelhada. Pense na estrutura como a palma da sua mão. Você tem duas mãos, espelhadas –a estrutura é idêntica, mas invertida, como num espelho.

Pois bem, um dos grandes mistérios da biologia é que todas as formas de vida conhecidas têm a preferência por uma das formas dessas moléculas, mas não pela outra. A vida é essencialmente canhota. Alguns cientistas especulavam que essa propriedade tivesse a ver com oportunidade: havendo maior disponibilidade de moléculas canhotas, seria maior a chance de a vida se basear nela e, como todas as formas da Terra têm um ancestral comum, todas seriam canhotas.

As amostras da Osiris-Rex contudo mostram que, ao menos para os aminoácidos detectados, as quantidades entre versões canhotas e destras são aproximadamente iguais. É uma propriedade que, por extensão, tende a se aplicar a todo o Sistema Solar, inclusive a Terra. Com isso, a razão pela qual a vida é canhota segue misteriosa. Talvez alguma propriedade química muito particular torne-a mais resiliente.

Diante desse mistério, alguns cientistas têm trabalhado inclusive para tentar criar “vida espelho” em laboratório. Avalia-se que tal tecnologia ainda esteja a pelo menos uma década de se concretizar, mas um grupo internacional de 38 cientistas lançou um alerta na revista Science no fim do ano passado, sugerindo que a criação de tais organismos poderia oferecer sérios riscos para a saúde e o meio ambiente. Impossível prever como seriam as interações moleculares entre a vida convencional e sua versão espelhada. É mais um lembrete de que, apesar de todos os avanços, o mistério da origem da vida ainda é largamente incompreendido.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.

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