Há mais de uma década, uma série de estudos sugeriu que os primeiros derivados de medicações como o Ozempic e o Mounjaro poderiam prevenir, ou até reverter, sinais da doença de Alzheimer em camundongos. Agora que a próxima geração desses medicamentos vem ganhando popularidade e que os cientistas descobriram que eles podem ter benefícios abrangentes para a saúde, as pesquisas estão sendo intensificadas para investigar se as drogas que revolucionaram o tratamento do diabetes e da obesidade também podem transformar o combate ao Alzheimer.
As provas emergentes parecem encorajadoras, mas existem muitas perguntas e ressalvas. “Acho que eles são definitivamente promissores. E, com as provas disponíveis no momento, é o máximo que posso afirmar”, diz Karolina Skibicka, neurocientista e chefe de fisiologia metabólica da Universidade Estadual da Pensilvânia.
As primeiras descobertas
As pesquisas com roedores demonstraram amplamente que esses tipos de medicamentos para diabetes e obesidade, que imitam hormônios metabólicos, podem melhorar várias características distintivas da doença de Alzheimer no cérebro, além de aumentar a capacidade de aprendizagem e de memória dos animais.
Há, no entanto, um histórico longo de diversos tipos de drogas que tratam o Alzheimer em camundongos, mas não proporcionam os mesmos benefícios para o ser humano. Até o momento, há poucos estudos que analisam se esses remédios podem reduzir o risco de demência em pessoas.
Uma análise recente constatou que, ao longo de três anos, pessoas que tomavam semaglutida (o composto do Ozempic e do Wegovy, medicamento para perda de peso) tinham de 40% a 70% menos chances de receber um diagnóstico de doença de Alzheimer em comparação com os que tomavam outras medicações para diabetes.
Um estudo publicado neste mês, que revisou uma base de dados do Departamento de Assuntos dos Veteranos, descobriu de maneira similar que as pessoas que usavam esses medicamentos tinham menos chances de desenvolver demência em comparação com aquelas que tomavam outras drogas para diabetes. Mas o benefício foi mais modesto, com uma redução do risco de aproximadamente 10%.
“Os resultados parecem promissores. Mas, como esses estudos são observacionais, é de fato difícil dizer se os medicamentos estão causando esse benefício diretamente ou se esse risco reduzido é mais uma coincidência”, observa Ziyad Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Sistema de Saúde dos Assuntos de Veteranos de St. Louis e autor do estudo.
Também há ensaios clínicos que investigam se os medicamentos podem tratar as pessoas já diagnosticadas com demência. Resultados preliminares de um estudo com cerca de 200 pacientes foram apresentados em uma reunião da Associação de Alzheimer e mostraram que pacientes com Alzheimer leve que receberam um medicamento similar mais antigo (a liraglutida, vendida sob a marca Victoza) apresentaram quedas mais lentas em sua cognição e no volume cerebral em comparação com os pacientes que receberam um placebo.
Os benefícios foram modestos, e os pesquisadores não puderam dizer se isso mudaria de forma significativa a condição do paciente. Mas Paul Edison, professor de neurociência da Faculdade Imperial de Londres, que liderou o ensaio, afirmou que os resultados o encorajaram. Outros ensaios clínicos estão em andamento para verificar se a semaglutida pode retardar a progressão do Alzheimer.
Como os medicamentos podem agir
Os pesquisadores não sabem como os remédios como o Ozempic poderiam proteger contra as doenças neurodegenerativas –na verdade, eles ainda estão tentando entender como esses medicamentos impactam o cérebro de maneira geral. Mas eles têm algumas teorias:
Eles melhoram a saúde metabólica
Como o diabetes e a obesidade aumentam as chances de uma pessoa desenvolver demência, é possível que os medicamentos reduzam esse risco ao melhorar a saúde metabólica. As duas condições estão associadas ao aumento da inflamação no corpo, e muitos cientistas acreditam que, pelo menos em parte, é mediante a redução da inflamação que esses medicamentos melhoram outras condições de saúde, incluindo doenças cardíacas e renais. A mesma dinâmica pode estar ocorrendo no cérebro: a inflamação pode matar as células e contribuir para as doenças neurodegenerativas.
Segundo Skibicka, há algumas provas em estudos com animais de que os medicamentos podem suprimir a inflamação cerebral, mas os cientistas não podem associar isso diretamente às melhorias na doença de Alzheimer.
Os fármacos também podem reduzir a resistência à insulina, característica do diabetes. É importante para a formação da memória o funcionamento saudável da insulina, e a resistência a ela tem sido associada à doença de Alzheimer. De acordo com Nigel Greig, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Saúde, que tem estudado esses medicamentos para doenças neurodegenerativas, as pesquisas com animais sugerem que, como esses remédios podem melhorar a sinalização da insulina no cérebro, talvez consigam proteger contra a neurodegeneração.
Podem beneficiar o próprio cérebro
Os cientistas sabem que esses medicamentos se direcionam a certos receptores no cérebro, sobretudo em áreas importantes para a fome e o metabolismo. Se eles também podem agir de maneira significativa em regiões envolvidas no aprendizado e na memória é uma questão em aberto.
Skibicka diz que algumas pesquisas mostraram que uma droga mais antiga e menos comum, a exenatida (vendida sob a marca Byetta), pode acessar partes mais profundas do cérebro. Isso inclui o hipocampo, área que é danificada precocemente na doença de Alzheimer. Os dados de outros medicamentos, como a semaglutida e a liraglutida, são mais variados. Alguns especialistas acreditam que as moléculas desses fármacos têm dificuldade de atravessar a barreira hematoencefálica, o que impede uma penetração eficaz. Os pesquisadores têm esperança de que os medicamentos em desenvolvimento atualmente possam acessar melhor essas estruturas cerebrais mais profundas.
Por fim, alguns estudos em camundongos descobriram que as drogas podem diminuir o acúmulo da proteína tau no cérebro, que é um dos principais contribuintes para a doença de Alzheimer. Segundo Greig, a redução do acúmulo de tau poderia ajudar a retardar o declínio cognitivo nos humanos, embora vários medicamentos tenham tentado atuar sobre a tau, e os resultados tenham sido variados.
É muito provável que os benefícios potenciais das drogas não derivem de um único fator, mas de uma mistura de vários. “O medicamento não está só atuando na resistência à insulina. Está claramente agindo em outros processos. Disso temos certeza”, afirma Edison.
Independentemente de como funcionam, se os medicamentos para a perda de peso e o diabetes puderem ser reutilizados para prevenir ou tratar a demência, os especialistas considerarão isso uma vitória. “O panorama terapêutico para a doença de Alzheimer é muito, muito limitado. Não há muitas coisas que funcionam, de modo que qualquer adição a esse repertório seria certamente bem-vinda”, diz Al-Aly.