15 mar 2025, sáb

Papa: favela que Francisco frequentava reza por sua saúde – 28/02/2025 – Mundo

Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, já era arcebispo de Buenos Aires quando desembarcava, semanalmente, no ônibus da linha 70, na favela 21-24, com um dos maiores índices de violência da capital argentina, localizada entre os bairros de Barracas e Nueva Pompeya. A comunidade é uma das mais populosas do país, com mais de 100 mil habitantes.

Conta-se que Bergoglio chegava a cada semana carregado de sacolas e ia avisando os vizinhos sobre o que tinha trazido naquele dia: remédios para uma senhora que se queixava de dores, comida, brinquedos para crianças.

“Ele vinha com um sorriso no rosto e uma simpatia que jamais esqueceremos. Agora é a hora de nós orarmos e pedirmos por ele, por sua saúde, pela paz de sua alma, porque ele fez muito por nós”, diz Alicia Segovia, aposentada, de origem paraguaia, que vive no bairro desde os tempos em que Francisco o frequentava para apoiar e acompanhar o trabalho que ali faziam os “curas villeros” (padres das favelas). Ela faz pausas no relato para enxugar as lágrimas. “Sei que ele não nos esqueceu e que seguirá rezando por nós onde quer que esteja”, afirma à Folha.

Na última terça-feira (25), os fiéis chegaram aos poucos à paróquia de Virgen de los Milagros de Caacupé. A igreja é pequena, e todas as pinturas e murais foram feitos por artistas locais, sem formação profissional, muito diferente das faustosas igrejas romanas em que Francisco passou a pregar em seu papado, iniciado em 2013.

Caacupé é uma santa paraguaia. As ilustrações nas paredes trazem cenas da história do Paraguai, bandeiras, imagens do modo de vida e costumes indígenas, e ilustrações do garoto de origem guarani que teria sido salvo por essa santa, dando origem ao mito. Os fiéis trazem fotos de familiares doentes e falecidos para serem expostos nos altares.

A Villa 21-24 recebe este nome por ser considerada um assentamento, não um bairro oficial, e os assentamentos são identificados pelo poder público local por números, assim como outras favelas da cidade. É habitada majoritariamente por imigrantes de países vizinhos, como Paraguai e Bolívia. Foi lá que atuava o padre José María di Paola, hoje o “cura villero” mais próximo do papa. Ele teve de se mudar para o norte da cidade depois que uma gangue de traficantes locais o ameaçou de morte.

O mais famoso “cura villero” da Argentina foi Carlos Mugica (1930-1974), que morreu assassinado pela temida triple A, esquadrão da morte anticomunista criado ainda nos tempos de democracia, quando o presidente era Juan Domingo Perón (1895-1974). Mugica atuava principalmente na Villa 31, a mais populosa, no centro de Buenos Aires.

“Os ‘curas villeros’ têm um laço hoje muito forte, e quem se encarregou em reafirmá-lo foi o papa”, conta Lorenzo de Vedia, 58, o “padre Toto”, enquanto se preparava para rezar a missa das 20h, que pediria pela recuperação de Francisco. “Eu era muito jovem quando o conheci, e ele me acompanhou muito, porque eu ainda tinha dúvidas sobre me entregar a uma vida de serviço a Deus.”

Os “curas villeros” fazem sua trajetória dentro das favelas, não apenas com as atividades pastorais, mas engajando-se em projetos sociais. No caso da 21-24, são eles que cuidam de algumas escolas, de centros de recuperação para viciados em drogas, além de oferecerem oficinas de música e artes plásticas. Inspiram-se no movimento dos Sacerdotes do Terceiro Mundo, da corrente da Teologia da Libertação.

“Quando Bergoglio começou a vir até aqui, tínhamos certa desconfiança. Afinal, ele tinha deixado de ajudar uma dupla de sacerdotes jesuítas perseguidos pela ditadura e que tinha pedido cartas de recomendação para obterem passaportes para fugir do país. Bergoglio não as deu, e ambos terminaram presos”, afirma Toto.

Bergoglio chegou a depor sobre esse caso à Justiça, que concluiu não ter havido conluio dele com os militares. Segundo o padre, porém, “ele ganhou os corações ao trazer os fiéis à missa e afastar os jovens das drogas”.

Embora exista na Argentina certo ressentimento pelo fato de o papa nunca ter voltado a seu país desde o início do pontificado, Toto releva. “Ele agora é o papa do mundo, mas nós nos lembramos dele assim, como alguém que se sentava aqui na calçada e ouvia histórias, contava piadas, dava lições de vida.” De vez em quando, afirma, eles trocam mensagens por email. E, segundo ele, o papa pede sempre para saber se as obras sociais da paróquia seguem funcionando.

Toto relembra uma história com Francisco. “Estive no Paraguai com outros dois ‘curas villeros’ durante uma visita do papa. Os padres paraguaios estavam todos bem vestidos, sapatos de camurça e batinas novas. Meus colegas e eu aparecemos enlameados e vestidos de qualquer jeito, tinha sido uma viagem caótica, não tínhamos tido tempo de nos arrumar.”

“Justo quando o papamóvel passou por nós, Francisco pediu aos seguranças que nos chamassem, e subimos no veículo. Tenho a total certeza de que ele não mudou em nada. Essa é a grande lição que ele nos deixa”, afirma, com os olhos marejados.

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