Muitas ocupações e oportunidades de emprego exigem dos candidatos uma boa formação em matemática. No entanto, professores do ensino médio e superior observam que muitos alunos demonstram desinteresse ou certo receio em relação à disciplina. Fico me perguntando o que pode ter ocorrido durante sua trajetória escolar para contribuir com essa percepção. As razões podem ser diversas. Cada criança desenvolve sua maturidade matemática em momentos diferentes, e isso não tem relação com inteligência —é apenas uma questão de tempo. A matemática é uma disciplina cumulativa, e, se a criança perde o fio da meada, pode acabar se atrapalhando e perdendo o interesse. Além disso, há uma crença de que os melhores alunos de matemática são aqueles que resolvem exercícios mais rapidamente ou memorizam resultados com facilidade.
Boa parte do estudo da matemática baseia-se na memorização. Quem nunca precisou decorar a tabuada? Segundo Jo Boaler, professora de educação matemática e cofundadora do Youcubed, muitos acreditam que alunos com maior facilidade para memorizar resultados têm melhor desempenho ou são mais inteligentes —o que nem sempre é verdade. Embora a memorização faça parte do processo, ela não deveria ser o foco. Se fosse, uma calculadora bastaria para resolver o problema.
Ensinar matemática com foco na memorização e em sua cobrança em provas com tempo limitado, especialmente para crianças, pode prejudicar os alunos de duas formas. Durante uma prova, a parte do cérebro afetada pela ansiedade é a mesma responsável pelo funcionamento da memória, o que pode comprometer o desempenho dos estudantes e abalar sua confiança na matemática. Com isso, o aluno pode desenvolver o que chamamos de ansiedade matemática. Segundo Jo Boaler, esse bloqueio e estresse tendem a impactar mais as meninas e os alunos de alto desempenho. Ou seja, responder rapidamente à tabuada não significa ter maior habilidade matemática e sim boa memória.
A professora sugere que o mais importante é desenvolver o senso matemático, ou seja, a capacidade de compreender as relações numéricas, permitindo que os alunos pensem e resolvam problemas de diferentes formas. Alunos com maior habilidade matemática, em geral, dependem menos da memorização e focam mais o desenvolvimento de estratégias para a resolução de problemas. Muitas vezes, há diversas maneiras de se chegar no mesmo resultado, e isso deveria ser mais enfatizado no ensino do que a simples memorização. Afinal, o ponto central da matemática é o raciocínio: entender quais métodos funcionam, por que e como funcionam.
Ademais, um desafio importante a ser enfrentado é mudar a percepção dos alunos sobre seu próprio potencial, ou seja, fazê-los compreender que ele pode ser aprimorado e que inteligência e habilidades não são fixas. Muitos, inclusive, acreditam que para ter sucesso em matemática é necessário possuir um dom inato e que os homens são naturalmente melhores nessa área.
O ensino da matemática pode ser aprimorado com a inclusão de diferentes atividades e jogos que estimulem o senso matemático dentro e fora da sala de aula, contribuindo para a melhoria do desempenho dos alunos. O uso de jogos pode começar ainda na pré-escola, favorecendo o desenvolvimento numérico e as habilidades de raciocínio espacial das crianças. Além disso, mudar a percepção dos estudantes sobre seu próprio potencial e desconstruir determinados estereótipos pode gerar efeitos positivos. Intervenções voltadas para essa mudança têm mostrado resultados promissores, tanto no aumento da motivação quanto no desempenho acadêmico.
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