Nesta terça-feira (18) a humanidade comemora os 60 anos da primeira caminhada espacial da história –última grande vitória do antigo programa tripulado soviético antes de ser ultrapassado pelos Estados Unidos na corrida para a Lua conduzida nos anos 1960 e 1970 do século passado.
Naquele ponto da disputa, ambos os países estavam se esforçando para demonstrar as tecnologias necessárias a futuras missões lunares tripuladas, e uma das mais desafiadoras era a capacidade de permitir que astronautas (ou cosmonautas, como preferem os russos) trabalhassem do lado de fora das espaçonaves, expostos ao vácuo.
Já era um procedimento necessário para operações em baixa órbita terrestre (em que tripulantes precisam rotineiramente sair da nave para efetuar reparos e instalar equipamentos, como acontece com frequência hoje na Estação Espacial Internacional e na estação chinesa Tiangong) e seria mais ainda para as visitas à Lua. De que adiantaria pousar lá se os astronautas não pudessem caminhar livremente pela superfície?
Desde o lançamento do Sputnik, em 4 de outubro de 1957, inaugurando a era espacial, americanos e soviéticos disputavam palmo a palmo cada novo avanço. Depois de serem os primeiros a colocar um satélite em órbita, lançarem o primeiro animal (a cadelinha Laika, ainda em novembro de 1957) e o primeiro humano (Yuri Gagárin, em 12 de abril de 1961), os soviéticos estavam concentrando seus esforços no programa Soyuz, que desenvolveria cápsulas para voos de maior duração em órbita e até mesmo para viagens lunares.
Contudo, os americanos tinham um programa de ínterim entre as cápsulas Mercury, que fizeram os primeiros voos tripulados, e as Apollo, que cumpririam a jornada à Lua. Era o projeto Gemini, que envolveria voos de duplas de astronautas, promoveria encontros e acoplagens em órbita e faria a primeira caminhada espacial americana.
O Kremlin determinou então a Sergei Korolev, o chefe do programa espacial soviético, que também criasse um programa de ínterim com o intuito exclusivo de bater os americanos no número de tripulantes e na demonstração de uma atividade extraveicular, no jargão conhecida pela sigla inglesa EVA ou, mais popularmente, como caminhada espacial.
E assim aconteceu. Korolev tomou por base o projeto da cápsulas Vostok e deu uma incrementada, criando a Voskhod, destinada a esse propósito. O primeiro voo dessa nova nave, Voskhod 1, foi realizado com três tripulantes, todos sem trajes pressurizados, em 12 de outubro de 1964. Voaram Vladimir Komarov (que depois morreria no primeiro teste da Soyuz, dali a três anos), Boris Yegorov e Konstantin Feoktiskov. O voo durou um dia em órbita e obteve mais uma primazia para os soviéticos: primeiro voo com mais de um tripulante.
Em seguida veio a Voskhod 2, em busca da primeira caminhada espacial. O lançamento ocorreu de Baikonur (hoje no Cazaquistão, naquela época parte da União Soviética) em 18 de março de 1965, com dois cosmonautas a bordo: Pavel Belyayev e Alexei Leonov.
A caminhada
Para executar a tarefa, um traje pressurizado Sokol (modelo usado pelos cosmonautas nas missões Voskhod) foi adaptado para uso fora da nave. A nova versão, chamada Berkut, trazia uma mochila com 45 minutos de oxigênio puro para que o tripulante pudesse permanecer no vácuo espacial. Para a saída da cápsula, um estratagema singular havia sido concebido: uma câmara de ar inflável, feita de aros de metal e tecido, seria automaticamente disposta do lado de fora da escotilha da nave. Leonov sairia da cápsula, enquanto Belyayev permaneceria a bordo para auxiliá-lo.
Embora todos os relatos da época tenham sugerido que o procedimento ocorreu sem acidentes e que o cosmonauta se sentiu bem enquanto esteve exposto ao espaço, documentos revelados somente após o fim da Guerra Fria contaram outra história.
Para começar, o traje de Leonov inflou mais do que o previsto, e o cosmonauta mal conseguia dobrar suas articulações –a ponto de não ser capaz de ligar a câmera instalada em seu peito para filmar a caminhada espacial de seu ponto de vista. Ele também foi incapaz de resgatar a câmera colocada do lado de fora da nave para registrar o evento.
O calor do corpo do cosmonauta subiu 1,8 grau Celsius durante a atividade extraveicular, que só durou 12 minutos. Na volta à câmara de ar, mais dificuldades. O traje inflado de Leonov dificultou que reentrasse no compartimento –somente depois que ele reduziu a pressão interna do traje foi possível voltar, repressurizar a câmara, abrir a escotilha interna e voltar para seu assento na Voskhod 2.
Ainda haveria mais drama para os cosmonautas, mesmo após a atividade bem-sucedida. O sistema de reentrada automatizado da cápsula falhou, e Belyayev foi obrigado a realizar o procedimento manualmente, uma órbita depois da prevista para o fim do voo. Com isso, a cápsula não voltou no lugar esperado, e sim em meio a uma densa floresta na gélida encosta das montanhas Ural.
Após horas de busca, helicópteros localizaram a nave e despejaram suprimentos para os dois cosmonautas, que tiveram de passar a noite na neve, rodeados por lobos. Somente no dia seguinte a dupla pôde ser resgatada. Já não se faz mais exploração espacial como antigamente.
A despeito de todos esses contratempos, então desconhecidos, a União Soviética podia clamar para si mais um feito inédito: a primeira caminhada espacial.
O voo inaugural da americana Gemini, com dois tripulantes, Gus Grissom (que morreria dois anos depois no acidente com a cápsula Apollo 1) e John Young, viria cinco dias depois da Voskhod 2, em 23 de março de 1965. A missão americana seguinte, Gemini 4, conduziria a primeira caminhada espacial daquele país, em 3 de junho de 1965. O astronauta a realizá-la foi Edward White (que também morreria no incêndio da Apollo 1), passando cerca de 20 minutos fora de sua cápsula.
Tanto Leonov quanto White estiveram presos a suas naves por um cordão umbilical, e sua atividade extraveicular foi mínima –mas pavimentou o caminho para que missões mais ousadas viessem a seguir, culminando com o programa Apollo, em que os americanos deixaram as primeiras pegadas humanas na Lua.
Herói soviético
Leonov tornou-se um herói soviético e estava entre os candidatos a realizar o primeiro voo lunar de seu país, não fossem as falhas com o programa N1-L3, equivalente soviético (e secreto) do americano Apollo. Com isso, os russos apenas fingiram jamais terem tentado levar cosmonautas à Lua, concentrando-se no desenvolvimento de estações orbitais.
O primeiro homem a caminhar no espaço tornou-se um embaixador do programa de seu país, não só participando da primeira missão de cooperação entre americanos e soviéticos, que realizou uma acoplagem entre as naves Apollo e Soyuz, em 1975, como estando constantemente presente a lançamentos de cosmonautas a partir de Baikonur (inclusive o que levou o astronauta brasileiro Marcos Pontes à ISS, em 2006).
Leonov também ficou notório por suas pinturas espaciais, dentre as quais as que retratam sua histórica caminhada, 60 anos atrás.
O cosmonauta morreu em 2019, aos 85 anos.