A recente homologação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o aditivo que pautará a prorrogação dos contratos de concessão de energia de grande parte das distribuidoras de energia do país reabre um capítulo crítico na relação entre o poder público e as concessionárias, em especial a Enel SP. É compreensível que a população, diante de eventos climáticos extremos, busque um culpado e que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), entre na linha de frente para exigir responsabilidade da empresa.
No entanto, é imperativo romper com a cultura medieval de caça às bruxas, que projeta a culpa sobre uma concessionária desconsiderando a complexidade do problema. Afinal a gestão de crises climáticas extrapola, e muito, a atuação de uma única provedora de serviço público.
Quando falamos em impactos, é comum pensarmos em danos pontuais, como alagamentos ou quedas de energia. No entanto, as consequências vão muito além, desencadeando uma série de problemas em cascata. Problemas como a ausência de cooperação mútua, por exemplo, interferem no planejamento e na logística da recuperação dos demais serviços. A interrupção das vias de acesso, por sua vez, impede a chegada de equipes de socorro e o transporte de equipamentos, isolando comunidades e agravando a situação de vulnerabilidade social. Some-se a isso dificuldades de comunicação que comprometem a capacidade de resposta das autoridades.
Diante desse cenário, fica evidente que a responsabilidade pela prevenção e mitigação dos impactos não pode ser atribuída a um único setor, ou pior, a um agente. É preciso uma ação conjunta entre diferentes órgãos e esferas do poder público, com a participação da sociedade civil, para a construção de cidades mais resilientes.
Nesse contexto, os municípios têm um papel fundamental tanto na prevenção dos impactos de desastres naturais quanto na coordenação dos esforços de recuperação. A elaboração de políticas públicas que contemplem a infraestrutura resiliente, o planejamento urbano consciente das mudanças climáticas e a promoção de campanhas de conscientização são essenciais para que as cidades possam enfrentar tais eventos com mais eficácia.
Atribuir a responsabilidade integral a um único agente, seja ele o governo, a população ou o setor privado, é contraproducente e impede a construção de soluções eficazes. A complexidade dos desafios impostos pelas mudanças climáticas exige uma abordagem integrada e colaborativa, que reconheça a interdependência dos diversos atores sociais e a necessidade de ações conjuntas para a construção de cidades mais resilientes e preparadas para enfrentar os desafios do futuro.
Assim, em vez de soltar todos os cachorros contra a distribuidora local, o alcaide paulistano deveria promover um diálogo construtivo entre o município e a concessionária. Somente por meio de uma abordagem colaborativa e responsável conseguiremos enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e garantir a resiliência dos serviços essenciais na região metropolitana de São Paulo.
Sem uma colaboração estreita entre a concessionária, o governo federal, o órgão regulador e os governos estaduais e municipais não haverá solução para que esse serviço público essencial para a sociedade tenha um padrão de atendimento de qualidade.
Não se prorroga concessões só olhando para penalidades. É preciso assegurar condições que permitam ao agente prestar um serviço de qualidade para os próximos 30 anos.
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