Será que os terroristas são terroristas porque querem ser terroristas?
A pergunta é meio mentecapta, eu sei, mas o mundo também é. De vez em quando, quando a Europa sofre um atentado terrorista, os especialistas saem dos seus buracos para partilhar duas teses sobre o assunto.
A primeira tese é mero marxismo travestido: os terroristas são terroristas por privação material. A pobreza, a exclusão, a discriminação —todas essas forças conspiram para colocar uma bomba nas mãos do inocente.
Aliás, nessa versão, o terrorista não é apenas inocente; é inimputável. O crime, o verdadeiro crime, está na sociedade ao redor que o oprime e maltrata. Terroristas somos nós.
A segunda tese é uma outra forma de apresentar a primeira. O terrorista é um doente mental que não sabe o que faz. Nesse caso, não é a sociedade que conspira contra ele; é sua cabeça frágil, doente, perturbada.
Pois bem. Parece que um estudo do governo britânico, divulgado pelo jornal The Times, arrisca uma terceira e surpreendente hipótese: o terrorismo é alimentado pelas ideias terroristas que o terrorista consome e absorve. É a ideologia, estúpido! Confesso que estou pasmado.
O estudo concentrou-se em cem terroristas que foram presos entre 2004 e 2021 no Reino Unido. Falamos de 85 terroristas islâmicos, 14 neonazistas e 1 incel (“celibatário involuntário”). Que tinham em comum?
Não, não era a pobreza. Não, não era a doença mental. Em comum, esses personagens tinham vasto material “literário” (digamos assim) no qual se formaram e deformaram.
Podem ser discursos de imãs radicais como Abu Hamza ou Anwar al-Awlaki. Pode ser o “Mein Kampf” do velho Adolfo. Podem ser romances de autores neonazistas, como “The Turner Diaries”.
O ponto é que os crimes que cometeram foram precedidos por ideias em que acreditaram apaixonadamente.
Dito assim, a revelação não tem nada de especial, exceto para quem se esqueceu da história do nosso tempo. Uma história ideológica por excelência, onde povos inteiros marcharam em nome de puras construções utópicas ou foram dizimados pela influência delas.
Como lembrava Isaiah Berlin, ele que estudou “a busca do ideal” como poucos, as ideias de um velho professor, fechado no seu gabinete, podem devastar civilizações. O nacionalismo da Primeira Guerra Mundial, o antissemitismo da Segunda, o marxismo-leninismo com seu longo rol de cadáveres —de que precisamos mais para concluir que “as ideias têm consequências”?
E, no entanto, a mente ilustrada foge dessa verdade porque não aceita que, racionalmente, seja possível optar pelo mal. Só gente miserável, ou miseravelmente enferma, pode fazer essa opção. Entendo. Risadas?
Nosso preconceito iluminista é, como qualquer preconceito, uma autoilusão. Perigosa.
No fundo, o governo de Sua Majestade perdeu tempo e dinheiro a estudar o óbvio quando poderia ter lido um dos seus melhores autores de adoção.
“A pureza extrema, quase ascética, de seu pensamento, combinada com uma surpreendente ignorância das condições do mundo”, escreve Joseph Conrad sobre um dos seus terroristas em “O Agente Secreto”, “tinha colocado diante de si uma meta de poder e prestígio a ser alcançada”.
Pureza de pensamento, ignorância sobre o mundo, busca de poder: não há nada de novo debaixo do sol.