“O que tem na caixa?”. Entre desespero e raiva, o detetive David Mills, interpretado por Brad Pitt, vocifera ao parceiro William Somerset, papel de Morgan Freeman, sobre o conteúdo do pacote enviado pelo ardiloso John Doe, assassino serial vivido por Kevin Spacey. O desfecho de “Seven: Os Sete Crimes Capitais” até hoje reverbera no imaginário, mesmo 30 anos depois do lançamento do filme.
Apesar do tempo decorrido, vamos preservar aqui os momentos-chave deste segundo longa-metragem de David Fincher, especialmente porque ele teve reestreia nesta quinta-feira, dia 30, numa cópia restaurada e em algumas salas de cinema Imax.
É a oportunidade de toda uma geração ver ou rever “Seven” no esplendor da tela grande e absorver as minúcias que um cineasta obsessivo como Fincher faz questão de explorar nos sons e nas imagens. Mais que a trama policial, o impacto está na geografia e atmosfera de uma cidade não nomeada, onde a chuva não dá trégua, o crime domina as ruas e a melancolia da violência e da desesperança contamina todo tipo de relação.
A trama escrita por Andrew Kevin Walker trata de dois investigadores na caçada a um metódico matador que está na autodeclarada missão divina de extirpar pessoas que cometeram os chamados sete pecados capitais: avareza, gula, ira, luxúria, preguiça, soberba e inveja. Ratificada pela Igreja Católica desde o século 13, a lista move as idas e vindas de Mills e Somerset, mas é Doe quem revela domínio da situação, culminando no desfecho devastador, que por décadas assombra espectadores entusiastas.
“Seven” chegou aos cinemas apenas três anos depois do sucesso de público e crítica de “O Silêncio dos Inocentes”, ganhador de cinco estatuetas do Oscar.
O filme de Jonathan Demme esculpiu um tipo de suspense psicológico de crime, no qual os antagonistas revelam métodos de ação profundamente detalhados, com propósitos definidos e muitas vezes desafiando a polícia com a certeza narcísica de serem superiores a quem os persegue.
Após estrear, “Seven” se tornou a sétima maior bilheteria norte-americana de 1995 e angariou mais e mais fãs no boca a boca. O fenômeno surpreendeu os executivos do estúdio New Line, que chegaram a pedir a Fincher para amenizar o final, sob risco de rejeição das plateias. Pois a conclusão de “Seven” não só abalou espectadores, mas serviu para catapultar uma série de similares que dali adiante buscaram emular o estilo, a abordagem e a atmosfera de Fincher.
Alguns dos elementos de mais força hipnótica estão na mistura de referências estilísticas a formar um mosaico dramático de forte sensorialidade, reforçados pela fotografia granulada e de poucas cores, pela tensão minimalista da trilha sonora e pela gravidade com que o enredo se desenvolve.
A narrativa “neonoir”, absorvida de títulos como “Chinatown”, de 1974, divide-se ao ritmo frenético de “Perseguidor Implacável”, de 1971, ou à sujeira humana e urbana de “Taxi Driver”, de 1976. Algumas quebras de expectativa à época reforçavam o estranhamento, como Brad Pitt num papel a extrapolar a então conhecida persona de galã, inserindo beleza e carisma num enredo que não dependia exatamente disso, e sim da postura mais sóbria que o ator soube incorporar.
Ao lado dele, uma Gwyneth Paltrow em começo de carreira e um Morgan Freeman num ápice de experiência e integridade formavam o grupo positivo do filme.
Em contraponto, havia o assassino de Kevin Spacey, a causar arrepios no terço final com provocações ambíguas e mal-intencionadas. Curiosamente, no mesmo ano, Spacey, creditado apenas nos letreiros finais, talvez para manter mistério sobre sua participação, interpretara outro personagem pouco confiável em “Os Suspeitos”, de Bryan Singer. Todos os quatro nomes do elenco de “Seven” posteriormente foram premiados com algum Oscar de interpretação por filmes distintos ao longo dos anos.
A repercussão não se restringiu ao sucesso imediato. Assim como “Seven” veio de diversos referenciais, ele mesmo virou modelo a um punhado de histórias similares nos anos seguintes. Ainda na década de 1990, títulos como “Ressurreição: Retalhos de um Crime” e “O Colecionador de Ossos”, ambos de 1999, nem escondiam a carona no fascínio do público por mais suspenses como “Seven”.
No novo século, “Jogos Mortais” inaugurou em 2004 uma franquia até hoje em andamento, tendo por base o matador John Kramer, em muito similar às filosofias morais de John Doe e pegando dele até o nome parecido. A primeira temporada da série “True Detective”, em 2014, também é quase uma reimaginação do filme de Fincher.
O próprio diretor de “Seven” fez derivações de seu primeiro sucesso, retornando ao universo melancólico e violento na caçada a serial killers em “Zodíaco”, de 2007, “Os Homens que não Amavam as Mulheres”, de 2011, e a série “Mindhunters”, encerrada em 2019 com duas temporadas.
Produções recentes como “Batman”, de Matt Reeves, em 2022, e, “Longlegs: Vínculo Mortal”, com Nicolas Cage, em 2024, são herdeiros diretos e assumidos de muitos elementos de “Seven”.
Certo estava John Doe, que a certa altura, sendo levado pelos policiais ao terrível desfecho de seus planos, diz: “Quando isso acabar, as pessoas mal vão entender, mas não vão poder negar. Estou dando o exemplo. O que fiz vai fazê-las quebrarem a cabeça, estudarem e seguirem para sempre”.
De certa forma, David Fincher e o roteirista Andrew Walker se expressaram ali, na voz e mente de um personagem eternizado que sabia o tempo todo o que estava a fazer.