17 mar 2025, seg

Sob Trump, EUA vivem momento excepcional de repressão – 16/03/2025 – Opinião

Mahmoud Khalil estudou na Universidade Columbia, uma das mais celebradas dos Estados Unidos. Casou-se com uma cidadã americana, agora grávida de oito meses, e tem um visto de residência permanente —o chamado “green card”. Mesmo com todos esses privilégios, foi preso no último dia 8 de março por liderar protestos pró-Palestina.

Desde a posse de Donald Trump, ficou mais arriscado defender os direitos dos palestinos. Ficou mais difícil também criticar Israel pelos bombardeios que já deixaram mais de 48 mil mortos na Faixa de Gaza desde outubro de 2023. O governo norte-americano enxerga essa militância como um ato antissemita e um apoio implícito à organização palestina Hamas, que considera terrorista. Não há mais nuance.

Os EUA vivem um momento excepcional de repressão. Conheço brasileiros que passaram os últimos dias vasculhando suas redes para apagar publicações pró-Palestina. Temem serem deportados. O caso de Khalil faz com que eles considerem, pela primeira vez, que podem ser detidos também.

Existe, porém, um histórico mais longo por trás das atitudes de Trump. Nas últimas décadas, os EUA monitoraram e puniram discursos pró-Palestina em diversos outros momentos. É arraigada a ideia de que os palestinos são perigosos, assim como os árabes e os muçulmanos, de um modo geral. É, afinal, como a imprensa e a indústria do entretenimento os retrataram em toda a segunda metade do século 20.

Em 1987, por exemplo, as autoridades prenderam oito jovens —sete palestinos e um queniano— sob a acusação de apoiar a Frente Popular para a Libertação da Palestina, tida como terrorista. O caso ficou conhecido como “LA 8”, os “oito de Los Angeles”. Depois de soltá-los, o governo passou 20 anos ameaçando deportá-los com base nas medidas usadas nos anos 1950 para perseguir comunistas. O juiz que os inocentou, em 2007, disse que o caso era uma vergonha para a Justiça.

O policiamento é feito não só pelas autoridades, mas também pela sociedade civil, que trata a mera defesa dos palestinos como uma atitude radical. Existe desde 2002, por exemplo, uma organização chamada Campus Watch dedicada a monitorar o debate intelectual nas universidades. O grupo incentiva alunos a denunciar colegas e professores por posições críticas a Israel. Na mesma linha, o Canary Mission publica desde 2014 informações pessoais de alunos e professores tidos como anti-Israel —entre eles estão alguns de meus professores na Universidade Georgetown, onde faço um doutorado em história do Oriente Médio.

A tática desses grupos é tratar qualquer crítica ao Estado israelense, seu governo e sua política como se fossem práticas antissemitas. Uma estratégia parecida, diga-se de passagem, é usada por grupos no Brasil na tentativa de silenciar movimentos pró-Palestina. Como resultado, em Washington e em Brasília, o debate ficou interditado, algo a ser sussurrado.

Quem ainda tem um palanque no espaço público, porém, pode se recusar a murmurar. Com a prisão de Khalil, os Estados Unidos violaram o direito constitucional à liberdade de expressão. Podem, na sequência, violar outros dos direitos adquiridos nas últimas décadas, incluindo os das mulheres, dos imigrantes e das pessoas LGBTQIA+.

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