A promessa que seduziu a maioria dos eleitores de Donald Trump foi basicamente a de retirar os Estados Unidos de uma ordem global que, do ponto de vista de uma parcela importante da classe média, parou de funcionar.
Se assim podemos chamar, uma espécie de “americanexit” —a saída efetiva (mesmo que não formal) de qualquer organismo de governança multilateral, política, militar, climática ou econômica. Sob esse princípio geral, estão duas proposições que serão mais bem compreendidas se tomadas em conjunto, perceptíveis ao aceder às conjunções entre o ambiental e o social requeridas no Antropoceno.
Trata-se das promessas de expulsar imigrantes, por um lado, e, por outro, reverter os programas de transição energética. Ambas são programas de instauração de um regime de superexploração, da força de trabalho e da natureza. No caso dos estrangeiros, é preciso que se diga com todas as letras: não existe hipótese de que as expulsões representem mais do que uma parcela pequena dos imigrantes ilegais. Tentar elevar esse número à casa dos milhões só seria obtido a partir da disseminação de brutalidades registradas apenas em guerras civis catastróficas.
Mas qual a vantagem de expatriar, digamos, algumas dezenas de milhares? Além do conhecido expediente da criação de uma alteridade para reforçar a identidade própria, o objetivo é pressionar a mão de obra mais vulnerável por meio de um intrincado e ambíguo sistema de permissões temporárias de permanência. Os estrangeiros não vão embora, isso colapsaria em muitos aspectos a economia e a sociedade americanas —eles simplesmente vão ser mais apertados.
Outro aspecto, que está relacionado a este primeiro, é o fim da perspectiva de transição energética. O Green Deal de Joe Biden foi vendido pelos republicanos, durante a campanha, como um fracasso causador da inflação que fez a popularidade dos democratas despencar. Trump prometeu enfatizar a exploração de fontes de energia fóssil pelo infame método de “fracking”. Nele, água adicionada de componentes químicos é injetada no solo em alta pressão para fraturar a rocha e extrair o óleo. Tudo isso para lançar carbono na atmosfera. Uma tragédia ambiental, mas que garante energia barata.
Esses dois fatores, que na verdade convergem para o mesmo princípio, o de superexploração socioambiental, estão sendo usados como uma espécie de hedge contra os desarranjos econômicos e tendências inflacionárias, temidos pelos economistas, que adviriam do aumento expressivo de barreiras tarifárias protecionistas e outras formas de isolamento. A extração de energia suja e barata de “fracking oil” e a exploração de serviços básicos de uma população oprimida são a fórmula canhestra de um projeto que mira o passado.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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