22 mar 2025, sáb

Verde vira item obrigatório de imóveis de luxo – 21/03/2025 – Mercado

Houve um tempo em que tudo era mato, e mato era algo indigno, abominável, obstáculo ao progresso e ao bem viver. O tempo passou e tudo voltou a ser mato —mas agora, ao menos no mercado imobiliário de alto padrão, elemento desejável, valor agregado, item “bem”, novo luxo.

Projetos de edifícios lançados por algumas das construtoras mais badaladas do Brasil abusam da chamada bioarquitetura —ou arquitetura biofílica—, em que a vegetação é tão importante quanto os equipamentos de lazer e as vagas de garagem (que ninguém mexa no meu 4×4!).

E não se trata apenas do verde nas áreas comuns, mas a escalar os andares e invadir os apartamentos —e, nos projetos corporativos, os escritórios.

Vivendo finalmente em um país tropical, era natural que o arquiteto francês Greg Bousquet, 51, se impressionasse com a força da natureza do Brasil, até mesmo nas regiões metropolitanas agigantadas do Rio e de São Paulo.

Na capital paulista ele começou a entender os projetos brutalistas de gente como Paulo Mendes da Rocha, cuja concretude exacerbada parecia ornar primorosamente com a luz abundante e com a vegetação que tão rápido se regenerava.

Greg, que passou duas décadas no escritório Triptyque e hoje toca o seu Architects Office (AO), foi responsável no Triptyque pelo Harmonia 57, um conjunto comercial baixo na Vila Madalena que virou benchmark da bioarquitetura e no qual ele testou pela primeira vez o reaproveitamento das águas da chuva para a manutenção da vegetação interna.

Os projetos ganharam escala, e agora pelo AO há edifícios de mais de 35 andares em Curitiba, como a dupla Pace e Age, recipientes de grandes bosques tropicais. No Pace, moradores e visitantes são recebidos por uma mata nativa com araucárias, palmeiras e jerivás e um pomar de pitangueiras e jabuticabeiras.

Muito além dos espaços privados, Greg está preocupado com os públicos, especialmente quando, dado do Censo 2022 que ele faz questão de repassar, 87% da população brasileira vive nas cidades.

“Seria muito interessante que o Estado impusesse regras para fomentar a arborização”, diz, citando o exemplo de Singapura, onde esteve recentemente, e em cujas calçadas há agora faixas de 50 centímetros dedicadas necessariamente ao verde.

Greg gosta do conceito de “rewilding”, cuja tradução para o português, “reflorestamento”, não dá a ideia, para ele, da força do termo em inglês. Trata-se de adotar “o contrário das práticas tradicionais de vegetação, em que espécies são selecionadas e controladas” e “promover uma diversidade espontânea, respeitando o equilíbrio ecológico”.

Nada mais alinhado com o pensamento do botânico e paisagista Ricardo Cardim, 46, que chama a atenção para a responsabilidade que seus colegas, no seu entender, não assumem, de cuidar do patrimônio vegetal nativo. Ao trazer espécies exóticas para o paisagismo, eles permitem que as plantas acabem necessariamente se proliferando em áreas de floresta, desestabilizando os biomas brasileiros.

Cardim criou em São Paulo o que chama de “florestas de bolso”, em que plantou, algumas vezes de maneira talibã, pequenas manchas de Mata Atlântica. “As plantas aí trabalham por cooperação, não por competição, exigem pouquíssima ou nenhuma manutenção”, diz.

O conceito também foi levado para alguns projetos simbólicos da bioarquitetura paulistana, ambos da incorporadora Gamaro, O Parque, no Brooklin, e o pioneiro Seed, na Vila Olímpia. Foi no Seed, segundo ele, que a vegetação virou ativo, valorizando o imóvel colocado à venda.

Tanto ou mais quanto Greg, Cardim se impressiona com a urbanização galopante e pede a criação de um órgão federal que assuma a diretriz pela arborização das cidades. Esse “Sistema Unificado de Arborização”, como chama, preencheria a deficiência técnica ou a falta de vontade política dos prefeitos em cuidar da arborização, missão passada normalmente a concessionárias de energia ou de limpeza pública. “É como se colocassem a raposa para cuidar do galinheiro”, diz.

Cardim é referência para o agrônomo e paisagista Rodrigo Oliveira, 53, cujos trabalhos, especialmente para a construtora Idea!Zarvos, ganharam grande visibilidade. Ele foi recentemente laureado com o prêmio internacional Architecture Masterprize, na categoria paisagismo residencial, com um projeto em Mangaratiba, no Rio. Para ele, a grande dificuldade em se trabalhar exclusivamente com mata nativa, como roga Cardim, é de logística e fornecimento.

Para Oliveira nem toda espécie exótica é lesiva, ou seja, invasora, há aquelas que já se adaptaram aos biomas brasileiros. Tendo adquirido recentemente um grande viveiro de plantas, ele crê que em poucos anos possa ser o próprio fornecedor de 80% do verde que necessita em seus projetos comerciais.

Benedito Abbud, 75, cujo decano escritório de paisagismo foi fundado em 1981, e hoje também prescreve a aproximação com o verde nas cidades ao citar como referência os “healing gardens”, os jardins terapêuticos que têm sido implantados em hospitais pelo mundo.

Abbud cuidou do paisagismo da torre Mata Atlântica, no complexo Cidade Matarazzo, e agora, para a Gafisa, também é responsável pelo verde copioso do projeto Allard Oscar Freire, que terá os imóveis mais caros de São Paulo segundo promete o empresário francês Alex Allard, também o “tycoon” do Cidade Matarazzo.

Com o Oscar Freire, Allard finalmente chega ao “lado certo” da avenida Paulista, os Jardins, para usar o mito do mercado que o próprio Allard cuidou de destruir com a valorização que trouxe à Bela Vista ao erguer o Cidade Matarazzo.

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